quarta-feira, 27 de março de 2013

Ciúme

[não Vi]

folhas-verdes
Flores
Carmim

ciúme
Cegueira
fina

[Cor ação]
to ntur a
Cacim
                   
                              Polvo
                              Porco
                              saci-menina
                       
                              escuma
                              Escura
                              Cetim

                              Mu
                              ra
                              lha
                              rasgando
                              neblina

             ba
O que fizestes
não se faz.

Que dor
mordaz
me impusestes!

[Netuno:
         Maremoto
    Calmaria]

eu Vejo
E me vou.

[é tudo retina]

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

segunda-feira, 25 de março de 2013

Último cigarro: Ampulheta

Malas prontas no meio da noite.
Um aperto forte no peito.
Um derradeiro passeio pela casa.

[Uma camisa, roubada por impulso,
perfumava o ombro]

Chego até a porta, giro a chave, seguro a maçaneta,
mas não consigo...
Viro-me e encaro a sala, arfando.
Um carro passa e faz brilhar o cinzeiro na janela:
“Um último cigarro talvez me ajude”.


Walter,
Não posso mais. Minha coragem chegou ao fim. Este é o limite. Não posso mais. Não conseguimos e não vejo como vamos conseguir. Tínhamos um sonho, mas agora vou atrás dos meus. Te segura, te sustenta e persiste se quiseres.
Clara



Quem poderia dizer que um sonho não vale tanto?
Quem atiraria pedras contra minha vontade de ser feliz?

A liberdade, em sua inteireza,
inexiste.
[e esta verdade agora me é óbvia].
Que sentido faz,
então,
abrir mão do pouco que nos resta?
       

O táxi chegou buzinando e rompendo com violência
alguma coisa dentro de mim.
Pensei já ter chorado tudo, mas não...
Minhas pernas cederam e não havia nada em que se segurar.
Com o rosto contra o chão gelado
vi tudo por um novo ângulo
e a sala me contou em dois minutos toda a sua história,
demorando-se dolorosamente sobre as últimas semanas.


A brasa vermelha esmorece.
A casa fica escura e tudo silencia:
É hora de partir. 


Tuan R. Fernandes - Março de 2013

sábado, 23 de março de 2013

Antes de mim

[Minha mãe achou uma foto antiga]

Cinza -
claro e escuro -
era a cor de todo aquele absurdo.

Observo e escuto,
assustado,
as histórias
dos adultos:

"Um dia, meu irmão
viajou para Fortaleza
e trouxe de lá este vestido
e este relógio azul".

Na foto,
há uma árvore pequena,
uma parede gasta,
e minha mãe-criança
sorrindo.

Ao seu redor:
O mundo
e
o esquecimento.

[Esse relógio tinha cor?
             Onde ele estará agora?]

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

quinta-feira, 21 de março de 2013

Microcontos Arabescos II

O Sultão não aceitava ser rejeitado por suas súditas. Mandava-as matar ao menor sinal de resistência. Um dia, o carrasco viu aos seus pés o pescoço de sua amada.
...
O sábio correu até a árvore vermelha e voltou mastigando cinco folhas: - Toma, meu jovem, esfrega no peito e segue em frente.
...
Para explicar seu argumento, Mahir narrou uma longa fábula, sem saber que já era ele pequena explicação noutro conto.
...
Antes da guerra, o sultão banhou-se em leite quente e flores. O cheiro doce viajou por todo o palácio e uma multidão de servos se amontoou ao pé da porta.
...
Cinco ferramentas magníficas, quatro mapas marítimos em couro de cabra, três navios esplêndidos e dois anos de estudos. Uma tempestade, apenas, e tudo estava arruinado: A cavalaria atacará sozinha, bem antes de nossa chegada.
...
General e terceiro filho do sultão, Majid sabia que a batalha estava perdida. Mesmo assim, ergueu a cimitarra e atirou-se contra a imensidão de inimigos.
...
Safwan amava Azhar e fez para ela um jardim infinto: Onde quer que seus olhos repousassem, surgia vida. E assim o mundo deixou de ser apenas lava e rocha.

*

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

quarta-feira, 20 de março de 2013

Nimbus


Raios, Abdias!
A paixão cravou as garras
nas tuas costas
novamente.

Agora é esperar morrer...

Por hora,
     Observa este fogo que corre
     e observa este frio na barriga.

     Observa o tempo
     que passa
     sem que percebas.

     Presta atenção, Abdias,
     nas palavras doces que vomitas
e tira os olhos de cima deste lugar nenhum.

O amor é nuvem, Abdias,
e nunca se sabe...

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

quinta-feira, 14 de março de 2013

O filho pródigo


[Voltei e ninguém percebeu.]

O sabor do nada,
do lugar nenhum,
da disformidade
e do desdouro,
espalhou-se rápido,
como veneno de cobra.

Percorreu todas as vias:
Inundou meu peito,
meu juízo,
meu Deus...

Como pôde este lugar -
que sempre me pareceu um inferno -
deixar-se invadir pelo frio?

Me arrastei sonolento
pelas ruas,
pelas praças
e pelos bares,

mas fizeram questão
de pintar todas as paredes
e rebatizar todas as avenidas.

Das casas que morei,
só restaram ruínas:
Não reconheço nada.

Fui até o porto
e
não havia um único navio.

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

terça-feira, 12 de março de 2013

segunda-feira, 11 de março de 2013

Alagados


Choveu
ontem e hoje:

Oito
morreram
de tristeza,
cinco afogados
e um com febre.

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

sábado, 9 de março de 2013

A Queda


Tristão
não conhecia
as dores do amor,
nem os azares da política.

Era o mais feliz entre os meninos.

Um dia,
acertou um pássaro
em pleno ar:
O bichinho
caiu como uma
flecha
no seu coração.

Colheu os louros
em silêncio.
Em casa,
desabou.

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

quarta-feira, 6 de março de 2013

Elegia aos Ímpios


I

Um dia,
a tristeza subiu aos céus,
abriu suas asas
e planou sobre todos,
como urubus
que farejam desastres.

Ainda está lá:
Eternamente atenta.

Quando,
do suor de alguém,
evola-se
o desespero,
o fracasso e
a vergonha,
ela enche os pulmões:
Desce implacável
e lhe arranca os olhos.



II

Eregiu-se,
então,
uma fonte
e
um templo
ao seu redor.

Lá,
anjos obesos e safados
regurgitam infinitamente
um unguento
denso,
escuro
e inodoro.

Lá,
os tementes
banham-se
e perdem-se
entre seus iguais.

Lá,
todos escondem-se.

Lá,
todos encontram a salvação.


III

Amanhã,
acordarei e
cuspirei neste lamaçal.
Praguejarei,
por horas a fio,
contra todos os que nele se enfiarem,
e, sob o sol do meio-dia,
sairei de casa
com meu próprio cheiro.

Amanhã,
Em meio aos uivos
de reprovação e pena,
poderei ouvir
o bater das asas
da maldita.
E quando ela descer,
num mergulho
sedento de sangue,
a agarrarei pelo pescoço,
abrirei seu peito
e, em êxtase,
devorarei seu coração.

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

terça-feira, 5 de março de 2013

De quando éramos demônios ou Poema Confissão


Às quatro e meia,
     as casas mergulhavam
     em profundo silêncio.

Todos os demônios
se reuniam
e esperavam
armados
sob o pé de castanhola.

E não havia ódio
nem,
tampouco,
guerra.

Às quatro e meia,
     por meses a fio,
     ele aparecia.

E cantava,
enorme e
sedutor.

Às quatro e meia,
     ele sobrevivia
     e ia embora
     indiferente.

E os demônios
voltavam para casa
frustrados,
fedendo
a prazer
e maldade.

Ontem,
        às quatro e meia,
            acertaram-lhe
            uma pedra
            no peito.

E fizeram festa.

Hoje,
     às quatro e meia:
         um vazio
         na rua,
              nos corações
e
     nos ouvidos.

Tuan R. Fernandes - Março de 2013