quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Pedraria

Supusestes uma pedra no meio do caminho
e, aos poucos, uma pedraria se fez.
O prenúncio de uma avalanche aterrorizou a todos.
Todos correram. Todos sumiram.
No fim, ficastes só, a sustentar este gigante imaginário.

Tuan R. Fernandes
2012

Bonde

Artur perdeu o bonde. Não tendo mais nada a perder, viveu o dia mais feliz de sua vida.

Tuan R. Fernandes
2012

Alice

O mar beijou mil vezes os pés de Alice e sussurrou.
O que te faz tão triste?
Alice apontou para trás.
O continente?
Não, o passado!

Sua companheira observava de longe.
Sentia a tempestade chegar,
via as nuvens escuras no horizonte:
Desesperava.

Na primeira ventania, Alice se foi. 
A casa ficou amarga. Sônia culpava o céu, o mar...
Meses depois, no metrô, viu-a descendo.
Ainda teve o impulso de... mas não, não era ela...

Dez anos voam. O túmulo continua bonito. Alice gostava de margaridas.
Ângela ficou sozinha por um instante, perto do carro.
Sônia aproximou-se e se ajoelhou:
Me desculpe,

Trezentos anos custam.
Sônia nada mais é. Ângela, carro, túmulo...
De Alice, sobraram alguns poemas.


Tuan R. Fernandes - Novembro de 2012

Cavalo

Aquele cavalo enorme já viu o Oceano Índico. Cruzou todo o Irã e agora se banqueteia como um herói. Chegou ontem, trazendo meu pai morto. Quando eu crescer, estará velho demais para me levar ao Mediterrâneo.

Tuan R. Fernandes - Novembro de 2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Tristeza

Ano passado houve uma tempestade.
Dos escombros, reergui minha casa.
Tudo era antigo e novo, como tudo.
Dos escombros, me reergui,
antigo e novo, como tudo.
Hoje o teto cedeu novamente.

Tuan R. Fernandes - 30 de abril de 2011

Microcontos Arabescos

No instante em que se viu dominado pelos guardas do Sultão, Abu mirou o céu, desculpou-se e se desfez em pó.
...
Salih deu a volta ao mundo. Fez-se de idiota, deitou e morreu. Quem imaginaria coração tão grande? "O mundo, na verdade, é um pires!". Salih nada falou, nada escreveu. Aos oito anos fez uma borboleta deixar de ser. Aos quinze, entendeu. Chorou quando lembrou do momento absoluto: "O mundo acaba ali".
...
Farid avistou uma árvore turva. Banhou-se, divertiu-se, agradeceu... Quando voltou a si, olhou para o imenso deserto a sua volta e só viu areia. Pensou: "Foda-se, foi bom".
...
Nasih prometeu: Ensiná-los-ia até que toda sua força se esvaísse. Aos 23 calou-se, velho.
...
Minutos antes da cerimônia, Anan sentou para descansar. Pensativa, perdeu-se nos labirintos desenhados em suas mãos.
...
No caminho de volta, enquanto marchava arrastando culpa e vergonha, Zafar viu uma gruta ao longe e abandonou sua tropa.
...
Abeer se apaixonou pelo vendedor de tâmaras. Sorria-lhe, tímida, nos dias de feira. Ontem, recebeu um saquinho de damascos e sentiu desmoronar seu sentimento.

*

Tuan R. Fernandes - Novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Palíndromo Concreto

                          A
                       m   m
                    e           e
                 o                  o
              P                        P
                 o                  o
                    é            e
                       t        t
                           A

Tuan R. Fernandes

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Fim

De repente, o silêncio e o escuro. Quantos estão perto de mim? Quantos gritam? Quantos sangram? Não sei. Eu ainda estou vivo, disto eu tenho certeza, porque algo dói em mim. Talvez tudo. Mas tudo também é nada. O que me incomoda mesmo é essa saudade chata, esta vontade de chorar. Queria tanto não estar morrendo. Tuan R. Fernandes

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Declamações em Alfama

Ah! Como gritavas por atenção...
Como suplicavas, aos berros,
um tanto assim de admiração.
E eu te admirei.
Teu desprendimento,
teu lugar naquele bar escondido
num bairro qualquer de Lisboa.
E como gostavas de aplausos...
- "Gritas bem, gritas bonito"
Falou aquele velhinho poeta,
que provavelmente foi você décadas atrás.
E eu concordei... "Gritas bem, gritas bonito".
Só não pude deixar de notar, e sentir pena,
do teu desespero.

Tuan R. Fernandes