segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tempestade

A correnteza é poderosa.
Desocupados, cheios do que fazer,
sobem e descem milhares de vezes,
navegando e reclamando,
embasbacados com a própria fraqueza.
Acorrentados aos assentos,
presos pelos olhos e pelos ouvidos,
assistem e alimentam o caos violento,
tentando ser alguma coisa, sabe-se lá para quem.


Tuan Roque Fernandes

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Adeus

Morto! Morto! - Alguém lamentou ao fundo. Todos os Deuses estavam em silêncio, em choque. Muitos outros já haviam morrido, mas nunca daquela forma. Alá, o mais próximo do defunto, tremia-se dos pés à cabeça, em silêncio. Ódio, medo, tristeza? Quem sabe? Uma lágrima percorreu-lhe o rosto lentamente, perdeu-se nas barbas e instantes depois dispencou rumo ao chão. Morto! Morto! - Ainda lamentavam ao fundo - Malditos sejam! - Gemeu revoltado um dos anjos e todos concordaram em silêncio.

Tuan R. Fernandes

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mentiras

Quem sabe dou um jeito.
Sou saudável e temente ao senhor:
Algo bom há de acontecer.
Ano novo nem chegou
e eu aqui com estas reflexões.

Minha boca de ator
e aqueles que me rodeiam
dizem que está tudo bem,
mas, aqui dentro,
o vazio é insistente.

Tuan R. Fernandes

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Agonia


Júlio se sentia tão pequeno e insignificante que parecia ter acordado do tamanho de uma formiga naquele mar de lençois. Sonhou com um galo cantando e acordou agoniado com um questionamento: "Quem estou sendo?" - Triste, afundou-se no travesseiro. A resposta era óbvia e o maltratava. Respirou fundo, tentou se levantar, mas não havia forças. Desequilibrou-se e desabou novamente na cama. Lá ficou, olhando para o teto... Uma vontade de rir, outra de chorar...
De repente ficou sério e se levantou decidido. Vestiu as calças, abriu a porta do quarto e saiu. Sua mãe e seu irmão deram um bom dia desanimado. Não foram respondidos. "Mas que falta de educ..." - Júlio a interrompeu mostrando-lhe a palma da mão com rispidez. Sua mãe se calou perplexa. Ele continuou andando, sem olhar para ninguém. Cruzou a sala e tomou o rumo da rua. Nunca mais voltou.


Tuan R. Fernandes

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ansiedade

Deveras cedo nasceu em mim aquela ansiedade prepotente de quem se acha apto para agraciar o mundo com algo genialmente impressionante. Não sou pedante. Não posso ser, não sou ninguém. Talvez nem algo eu seja, exceto frustração.

Tuan R. Fernandes

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Desajeito

O homem inacabado
não tem posição
que lhe traga conforto
na cama.
Luta a noite toda
com o colchão
sem que seu corpo
torto possa encontrar
abrigo.
O pensamento
do homem inacabado
gira em falso
como as rodas de um carro
encravado na lama.

(Donizete Galvão - O Homem Inacabado)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Estou cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,

E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)

sábado, 2 de abril de 2011

O Parto

Depois de tudo,
da guerra e das lágrimas,
ainda subo o muro,
só pra olhar de cima.
O clima está agradável,
passa um vento gostoso,
sinto aquele alívio.
De repente meu estômago esfria.
Olho para todo aquele sangue
e me vem o nojo da cria.
É minha cara.

Tuan R. Fernandes

terça-feira, 22 de março de 2011

Coerência

Lutava pela coerência.
Pensava e logo tentava ser,
mas a consciência da hipocrisia me matava.
De apêndice, tinha a certeza da incompetência e o gosto do fracasso.
Um dia a razão deixou de bastar,
as verdades naufragaram.
Deixei de ser,
mas eu já não era nada.

Tuan R. Fernandes

domingo, 20 de março de 2011

Destino?

Na incógnita do próximo passo,
impotente, tento comandar-me em vão.
Quem escreveu tudo que faço?
Quem que me possui na palma da mão?

Se uma boca eu esqueço e outra eu beijo,
na euforia de um amor que é certo,
porque pela esquecida me veio o desejo?
porque a que agora eu amo não estava por perto?

Há tempos o futuro está escrito?
foi na grande explosão ou antes disso?
Estranho que tudo pareça incerto.

E se o futuro não for bonito?
Eu disser não pra tudo isso
E a morte não estiver por perto?


Tuan R. Fernandes

quarta-feira, 16 de março de 2011

Café, Apenas...

Me encosto no terraço
e percebo que o café quentinho
faz mais sentido imerso neste cheiro de mato,
dentro deste silêncio,
dentre estas árvores.

Subversivo café, este meu.
Não me acorda, não me mantém trabalhando.
Não preciso dele para produzir.
Aqui, ele se reduz a simplicidade de sua essência:
ser gostoso e quentinho. E extremamente cheiroso!

Tuan R. Fernandes