quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ainda

Uma nuvem
de três andares
passeia sobre a cidade:
neblina sobre a Messejana.

Meu peito nu
conversa com ela
e
se arrasta com ela.

Se pudesse,
iria,
e me desfazia
logo alí

Lenta e
dolorosamente.

A ponta
dos meus dedos
ainda tocam
este chão gelado.

Minha boca
de merda
ainda sonha:

E eu desperto
no meio da noite
com você
inteira
em minha garganta.

Tuan R. Fernandes
Março de 2014

Culpa

Nada sei
sobre o brilho
das coisas.
Nem sobre o betume
que a tudo envelhece.

Meu peito ainda queima:
A música acabou:
haviam violinos,
agogôs,
e uma voz,
sem palavras.

Aperto
com força
meu peito
para estancar
a dor,
mas é inútil.

[Eu só sei
que nas trevas,
nem a lua.]

Amanhã
não haverá
quem lembre
de cada sacrifício,
nem de cada recomeço.

E quando
se dissipar
a memória do fim,
não haverá mais nada.

Tuan R. Fernandes
Abril de 2014

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Desastre

Vi naqueles olhos
uma teia negra.

[Vi um abismo]

Dos lábios azuis,
um gosto de mar
ou de veneno.

e o vento
murmurava o caminho:

Sobre minha sela
um canto de sereia
e nada mais.  

Tuan R. Fernandes - Agosto de 2013

sábado, 3 de agosto de 2013

Pulso

Sussurros de além-mar.
Ausência em coração.
Uma corda envolve meu pulso [seco
como este rio]
frágil como esta pedra.
Nada queima - Nem naufraga.
Nada rasga este muro,
nada.

Tuan R. Fernandes - Junho de 2013

quarta-feira, 27 de março de 2013

Ciúme

[não Vi]

folhas-verdes
Flores
Carmim

ciúme
Cegueira
fina

[Cor ação]
to ntur a
Cacim
                   
                              Polvo
                              Porco
                              saci-menina
                       
                              escuma
                              Escura
                              Cetim

                              Mu
                              ra
                              lha
                              rasgando
                              neblina

             ba
O que fizestes
não se faz.

Que dor
mordaz
me impusestes!

[Netuno:
         Maremoto
    Calmaria]

eu Vejo
E me vou.

[é tudo retina]

Tuan R. Fernandes - Março de 2013

segunda-feira, 25 de março de 2013

Último cigarro: Ampulheta

Malas prontas no meio da noite.
Um aperto forte no peito.
Um derradeiro passeio pela casa.

[Uma camisa, roubada por impulso,
perfumava o ombro]

Chego até a porta, giro a chave, seguro a maçaneta,
mas não consigo...
Viro-me e encaro a sala, arfando.
Um carro passa e faz brilhar o cinzeiro na janela:
“Um último cigarro talvez me ajude”.


Walter,
Não posso mais. Minha coragem chegou ao fim. Este é o limite. Não posso mais. Não conseguimos e não vejo como vamos conseguir. Tínhamos um sonho, mas agora vou atrás dos meus. Te segura, te sustenta e persiste se quiseres.
Clara



Quem poderia dizer que um sonho não vale tanto?
Quem atiraria pedras contra minha vontade de ser feliz?

A liberdade, em sua inteireza,
inexiste.
[e esta verdade agora me é óbvia].
Que sentido faz,
então,
abrir mão do pouco que nos resta?
       

O táxi chegou buzinando e rompendo com violência
alguma coisa dentro de mim.
Pensei já ter chorado tudo, mas não...
Minhas pernas cederam e não havia nada em que se segurar.
Com o rosto contra o chão gelado
vi tudo por um novo ângulo
e a sala me contou em dois minutos toda a sua história,
demorando-se dolorosamente sobre as últimas semanas.


A brasa vermelha esmorece.
A casa fica escura e tudo silencia:
É hora de partir. 


Tuan R. Fernandes - Março de 2013

sábado, 23 de março de 2013

Antes de mim

[Minha mãe achou uma foto antiga]

Cinza -
claro e escuro -
era a cor de todo aquele absurdo.

Observo e escuto,
assustado,
as histórias
dos adultos:

"Um dia, meu irmão
viajou para Fortaleza
e trouxe de lá este vestido
e este relógio azul".

Na foto,
há uma árvore pequena,
uma parede gasta,
e minha mãe-criança
sorrindo.

Ao seu redor:
O mundo
e
o esquecimento.

[Esse relógio tinha cor?
             Onde ele estará agora?]

Tuan R. Fernandes - Março de 2013